Referências
O foco principal deste trabalho é a discussão sobre as metodologias de pesquisa mais adequadas para o desenvolvimento de trabalhos científicos na temática ampla de convergência de mídias em especial no processo jornalístico. Numa proposta posterior, como continuidade, pretendemos buscar parâmetros que possibilitem o delineamento de um modelo epistemológico que traga coesão ao processo de produção de conhecimento neste sub-campo.
Abstract
The main focus of this paper is to discuss the possible research methods that are applicable to the media convergence issue, specially in the journalistic process convergence. As a second proposal for this paper, we are seaking and analysing the parameters that could define an epistemological model for the convergence and support some cohesion on knowledge production.
Introdução
O foco principal destas reflexões está na discussão sobre as metodologias de pesquisa mais adequadas para o desenvolvimento de trabalhos científicos na temática ampla de convergência de mídias em especial no processo jornalístico. Numa proposta posterior, como continuidade, pretendemos buscar parâmetros que possibilitem o delineamento de um modelo epistemológico que traga coesão ao processo de produção de conhecimento neste sub-campo3.
Considerando que o conteúdo que ora apresentamos é uma primeira abordagem e publicização do tema, propomos uma aproximação pelo formato sistêmico, passando por pontos e aspectos mais relevantes da convergência de mídias e das possibilidades de pesquisa dele derivadas. O trabalho, no estágio em que se encontra, não tem a intenção de aprofundar este ou aquele aspecto da pesquisa sobre processos convergentes no Jornalismo, mas registrar as principais etapas metodológicas que validem o processo de produção de conhecimento.
De uma maneira geral, procuramos referenciar nosso estudo em modelos epistemológicos validados no campo das Ciências da Comunicação, campo mater de acolhimento do que hoje chamamos de jornalismo digital; aprofundando em termos de recorte teórico e de percepção de especificidades relevantes nas diferentes teorias do Jornalismo; e correlacionando, com maior destaque, os processos de convergência com modelos de análise e avaliação organizacional oriundos do campo da Administração de Empresas.
Gostaríamos de alertar, logo de início, que o momento vivenciado pelas organizações de mídia mundo afora tem na convergência uma de suas pedras de toque. Percebemos nas referências recentes uma retomada da questão, quase que mandatória para a sobrevivência das organizações de mídia de origem tradicional. O tema convergência, algumas vezes apontado sob outra denominação, sempre esteve presente desde os primórdios das discussões sobre estratégias, modelos de negócio e processos operativos das empresas de mídia sob o contexto de digitalização4.
Em nossa opinião, diante da onda renovadora ora atribuída aos processos de convergência nas organizações de mídia, devemos assumir cuidados redobrados na abordagem de um método cientifico de estudo e tratamento temático. Com isso, reforçamos neste trabalho os aspectos de delimitação e terminologias.
Este trabalho pela delimitação de dois pontos fundantes para a discussão de processos de convergência: o aprofundamento conceitual da própria convergência; e a correlação entre especificidades, sub-campos e campos de conhecimento, pondo em linha o jornalismo digital, as novas mídias e a comunicação digital como um todo. A seguir, por estarmos focados na definição de uma metodologia de pesquisa, será oportuna a discussão das bases e dos modelos epistemológicos que sustentarão futuras propostas metodológicas. A correlação com o campo da gestão empresarial será importante para incluirmos a convergência numa proposta mais global. Por fim, propomos alguns caminhos para continuidade deste tema a partir da futura inclusão de outros temas correlacionados e aprofundamentos conceituais para a aplicação da metodologia em campo.
1ª delimitação: as diferentes faces da convergência
O termo “convergência” tem sido utilizado exaustiva e diversificadamente em toda a literatura que envolve o status das mídias contemporâneas, as tecnologias digitais de informação e comunicação – TIC’s, a cibercultura, as linguagens e narrativas, apenas para ficarmos no campo maior das Ciências da Comunicação.
Ao propormos a discussão de metodologias de pesquisa e modelos epistemológicos para os processos de convergência que se configuram no âmbito das organizações de mídia contemporâneas, torna-se fundamental a discussão e a delimitação do termo, correlacionando-o ao ambiente midiático e jornalístico. Sobre qual convergência nos focamos?
O termo convergência, quando associado às mídias digitais, é abordado por uma diversidade de pontos de vista, em sua maioria pertinentes, mas que, metodologicamente, têm o potencial de confundir propostas. Numa rápida passada d’olhos, convergência pode ser associada a equipamentos e sistemas de acesso às redes digitais, a estruturas organizacionais, a diferentes níveis de processos de produção do conteúdo midiático, às políticas publicas de uso e acesso às TIC’s, aos modelos de negócio, em oposição a visões fragmentadas, entre muitas possibilidades. O que temos, na prática, é o uso do termo em múltiplos contextos e, algumas vezes, com definições ambíguas.
As definições dicionarizadas5 para o termo sejam do ponto de vista estrito do ato de convergir, seja sob os pontos de vista figurado e físico, traduzem convergência como o direcionamento de linhas, feixes, idéias e opiniões para um ponto em comum. A idéia de “único ponto em comum” parece-nos oportuna para a compreensão da aplicação deste conceito no ambiente das empresas informativas – qual a configuração deste ponto em comum?
Nesta etapa inicial de conceituação, optamos pelo importante trabalho realizado por Gracie Lawson-Borders, da Kent University, que apresenta e compara múltiplas definições e usos do termo convergência exclusivamente em ambiente midiáticos. Temos claro que, em etapas mais avançadas de nossa atividade de pesquisa, tal discussão será capital e deverá incluir, analisar, comparar e inferir proposições de outros pesquisadores a exemplo de Fidler (1997), Hayles (1999), Lunenfeld (2000), Janet Murray (2001), Lev Manovitch (2001) Bolder (2003), Jenkins & Thornburn (2003), Boczkowski, (2004), Salaverría (2005), entre outros.
A autora define como convergência “um conjunto de possibilidades decorrentes da cooperação entre meios impressos e eletrônicos na distribuição de conteúdos multimídia por meio do uso de computadores e da internet” (Lawson-Borders, 2006, p. 4). Entendemos de sua definição que computadores e a rede são as fontes agregadoras de conteúdos gerados por diferentes meios, a exemplo do rádio, da TV e dos meios impressos; e distribuídos em diferentes plataformas como conexões sem fio, cabos e satélites. Computadores e internet são os elementos determinantes, ou o espaço de configuração da convergência.
Com isso, ao delimitarmos o termo em aplicação nos ambientes midiáticos, será necessário definir qual o conceito e o processo de convergência. Portanto, sua delimitação só é possível quando acompanhada de questionamentos das seguintes ordens, por exemplo: o significado de convergência para provedores de conteúdo; como ocorre o acesso a conteúdos convergentes; o estatuto de quem acessa: usuário, audiência, telespectadores, leitores ou clientes; o estatuto das plataformas de mídia em adequação à convergência esperada; e as estratégias das empresas de mídia para sua presença combinada nos meios online e off-line.
Todos os aspectos correlatos à convergência brevemente listados apontam para a necessidade, em termos metodológicos para estudos científicos, de construção de modelos de convergência que incluam variáveis de ordem tecnológica, estratégica, comunicacional e narrativa. Abre-se, aqui, um amplo leque de discussões e modelamentos para nossa próxima etapa de pesquisa no tema.
2ª delimitação: do jornalismo digital à comunicação digital
A segunda delimitação que propomos põe em discussão um ponto sensível: a prática da convergência se dá apenas no nível da especificidade do jornalismo digital ou também no espectro mais amplo dos fenômenos comunicacionais que ocorrem em ambientes digitais?
Por uma questão de delimitação de objetos de pesquisa, poderíamos dizer que nos interessa, aqui, o nível da especificidade, mas acreditamos que com isso perdem-se dados preciosos de experiências não exatamente jornalísticas, mas vinculadas a empresas de mídia e à produção de informações digitais que podem integrar ações caracterizadas como de convergência.
O ponto-chave que emerge está na retomada do conceito de novas mídias. Embora possa parecer um tema exaustivamente discutido e esclarecido em suas delimitações, consideramos importante retomá-lo por conta das reflexões epistemológicas que objetivamos no projeto de pesquisa mais amplo.
Temos ainda a considerar o fato de que as “novas mídias” já não são tão novas assim em termos de aplicação e uso corrente pela sociedade e temos por posição que o melhor temo para as velhas novas mídias seria “mídias digitais”. Optamos por manter, neste trabalho, o termo novas mídias por coerência às referencias bibliográficas mais recentes que ainda o utilizam como forma de diferenciação.
Em sentido estrito, nova mídia poderia estar limitada ao âmbito técnico, sendo o tráfego de dados codificados em protocolo internet (IP) que têm alcance externo às redes locais de computadores. Tal delimitação é adotada por Röhle (2005, p. 420) ao caracterizar o campo dos new media studies. Por outro lado, Pablo Boczkowski entende que as novas mídias ultrapassam os limites da introdução de inovações tecnológicas aos suportes midiáticos, afirmando: “Tal compreensão das novas mídias sensibilizou analistas para a interdependência entre os elementos tecnológicos e sociais da mídia, numa perspectiva alternativa que convida pesquisadores a focar estudos, por exemplo, tanto voltados à análise das capacidades técnicas de novos artefatos, como para as construções simbólicas deles derivadas”. (Boczkowski, 2004, p. 144). Já as pesquisadoras Leah Lievrouw e Sonia Livingstone (apud Matheson, 2004) têm uma visão tridimensional das novas mídias – aparatos tecnológicos, as práticas comunicativas que se constituem em tais aparatos, e os contextos sociais e as instituições que se apropriam de tais práticas.
Temos aqui a constatação de que a produção de conhecimento em novas mídias decorre obrigatoriamente da tríade tecnologia, comunicação e sociedade. Encontramos análises e estudos ora enfatizando um ou outro dos três elementos, ora analisando os fenômenos numa correlação de simetria, mas, de qualquer forma, fica evidente a necessidade da analise tríptica, sem a valorização de determinismos tecnológicos, ou a perspectiva de substituição midiática, muitas vezes enfatizadas em pesquisas das décadas de 1980 e 1990.
Consideramos que o jornalismo digital integra por suas características o campo das novas mídias, metodológica e epistemologicamente podemos inferir que não existem nas novas mídias objetos diversos daqueles do próprio campo da Comunicação. O que antevemos, diante do cenário transformador e multi-campos que as novas mídias trazem, é a necessidade de uma redefinição das tradicionais teorias da comunicação de massa de forma a explicar e sustentar os aportes tecnológicos e as decorrentes novas relações de interação e sociabilidade.
Fechando a análise, sugerimos a ampliação do espectro de pesquisa para além das especificidades do jornalismo digital sem, contudo, deixar de priorizá-lo.
Sobre as bases epistemológicas
Postas as delimitações, é oportuna a apresentação de um breve panorama dos aspectos epistemológicos que sustentariam as metodologias de pesquisa nos processos de convergência.
A maioria dos pesquisadores contemporâneos dedicados à epistemologia da Comunicação e do Jornalismo advoga a consideração/inclusão de novos (ou outros) modelos epistemológicos no campo que levem em conta, no dizer do pesquisador José Luís Braga o fato de que “os fenômenos comunicacionais, na sociedade contemporânea, apresentam uma diacronia muito dinâmica – não apenas conseqüência do avanço tecnológico, mas também dos processos sociais interacionais que se diversificam correlatamente” (Braga, 2007, p. 4).
Aceitando o ponto de vista de Braga podemos dizer que no jornalismo digital esse dinamismo é item fundante de suas operações. Reforçando esta proposição, Muniz Sodré afirma que “é particularmente visível a urgência de uma outra posição interpretativa para o campo da comunicação, capaz de liberar o agir comunicacional das concepções que o limitam ao nível de interação entre forças puramente mecânicas e abarcar a diversidade da natureza das trocas, em que se fazem presentes os signos representativos ou intelectuais, mas principalmente os poderosos dispositivos do afeto” (Sodré, 2006, p. 13).
A capacidade de incorporação de novos modelos epistemológicos por parte de um dado campo do conhecimento revela seu grau de resiliência às transformações do mundo que o contém. Nesse sentido, se posicionarmos o campo da Comunicação como célula mater da produção de conhecimento em novas mídias, e nestas, em jornalismo digital, encontramos ali terreno fértil para adequações e incorporações pelas próprias características do campo.
Conforme as afirmações de Braga (2007) “[...] temos que reconhecer, hoje, que cada uma das Ciências Humanas e Sociais se desdobra, nas suas pesquisas próprias e na sua interface com as demais, em uma variedade de modelos epistemológicos – em função dos objetivos de cada pesquisa,das sub-áreas de especialização disciplinar, dos enfoques teóricos que adotam e/ou constroem, e das relações que de elaboram com a realidade social pesquisada”. O pesquisador considera que, neste cenário, a Comunicação é uma disciplina indiciária, ou seja, que o exercício da produção de conhecimento no campo esteja próximo dos fenômenos de seu interesse, extraindo daí fundamentações relacionadas. Sugere, assim, como modelos epistemológicos mais adequados os estudos de caso e sua consubstanciação por meio do paradigma “indiciário” de Carlo Guinsburg6.
Em nível inicial e exploratório desta pesquisa parece-nos adequado e uma alternativa metodológica viável o estudo dos processos de convergência na produção de informações jornalísticas por meio de uma sucessão de estudos de caso e, a partir deles, a aproximação entre teoria e prática por meio da seleção de indícios em comum e posterior realização de inferências.
As reflexões que buscamos na literatura destacam o forte vínculo do sub-campo das novas mídias à observação empírica e à busca de fertilização teórica em outros campos correlatos. Fenômenos de jornalismo digital se dão primordialmente no próprio interagir entre aparatos e suportes, protagonistas comunicantes e interagentes. Tais fenômenos se constroem a partir da experimentação que a criatividade humana imprime no próprio espaço de comunicação e sociabilidade. Assim, poderíamos sugerir que observação empírica e abertura à correlação seriam elementos constituintes de um modelo epistemológico para o estudo das novas mídias e, destas, o estudo dos processos de convergência.
Diversos autores reforçam tal proposição, a exemplo de Röhle:
Numa visão geral, os estudos das novas mídias são caracterizados por uma excepcional abertura para a relação teoria e método e, pelo menos até agora, nos parece impossível distinguir algum cânone explicito que oriente as pesquisas neste campo. Tal ‘abordagem experimental para a teoria e a epistemologia’ permite valiosas correlações interdisciplinares que possibilitam a compreensão de fenômenos sociais e tecnológicos em constante evolução
(Röhle, 2005, p. 404)
O filósofo tcheco Vilém Flusser [19921-1991], a exemplo de outros modernos como Roland Barthes, Marshall McLuhan e Jean Baudrillard, não vivenciou a concretitude das mídias digitais, mas teve a visão em sua obra de que os rumos da Comunicação seguiam para proposições teórico-práticas e para uma evolução tecnológica sem precedentes que desembocaria nas chamadas novas mídias. Suas colocações são bastante úteis para justificar nossas reflexões. Uma contribuição significativa de Flusser, juntando-se a outros pensadores apontados por Braga (2007), é a visão de que a produção de conhecimento em Comunicação não pode ser similar àquela das ciências naturais, pois ele á uma disciplina interpretativa, tendo que criar significados7. Com isso, podemos concluir que os fenômenos comunicacionais não são coisas fechadas em si mesmas, mais sim objeto de observação caso a caso. Por sua diversidade, não são, no dizer de Flusser, “a mesma coisa”, portanto há que se observar uma sucessão de fenômenos para encontrarmos as singularidades em comum. É deste processo de observação da prática, da associação dos significados que se produz o conhecimento.
Esta junção entre teoria e prática pode ser aqui exemplificada por meio do fenômeno comunicacional dos weblogs. Atualmente vivenciamos o uso intenso desta ferramenta tecnológica que possibilita um processo comunicativo sincrônico, dialógico e ao mesmo tempo discursivo. Seu uso tem ocorrido em diferentes situações, como a disseminação de noticias, a expressão de opiniões, a correlação e a oposição de idéias de múltiplas fontes. Ao propormos um estudo formal do fenômeno weblogs nos veremos diante da relação teoria-prática para chegarmos a resultados propositivos.
No caso específico de estudos acadêmicos de weblogs jornalísticos8 observamos que muitos, apesar de serem produtos típicos e exclusivos do meio digital, são regidos pelos parâmetros teóricos da old media: a preservação do papel do gatekeeper, a autoridade editorial e a inexistência de diálogo com o leitor (usuário, no caso). Ainda na observação empírica, constatam-se weblogs jornalísticos que assumem uma postura rearticuladora com relação às instancias básicas da teoria do jornalismo, onde a autoridade editorial é substituída pelo consenso das múltiplas vozes que interagem neste espaço; onde a construção de significados é, em grande parte, de responsabilidade do usuário.
Na verdade o que temos neste exemplo são observações diversas de um mesmo fenômeno comunicacional – os weblogs – sem, contudo, podermos discernir formas “certas” ou “erradas” apenas por alguns estarem sustentados por vertentes teóricas consolidadas e, outros revelarem rearticulações deste cabedal teórico. A observação empírica destas formas rearticuladoras criadas pelos usuários é enriquecedora sob o ponto de vista epistemológico, subsidiando novas possibilidades de produção de conhecimento que não ocorreriam sem este processo de trocas teórico-práticas. No dizer da Mathenson “mais do que assumir uma dissociação radical entre velhas e novas formas [comunicacionais], é necessário explorar como as formas das novas mídias se posicionam nas estruturas sociais vigentes”.
(Mathenson, 2004, p. 461).
Assim, ao refletirmos sobre um modelo epistemológico para a comunicação digital temos que considerar seu caráter processual, ou parafraseando um termo bastante new media, um modelo “em construção”. É exatamente por este estágio processual que incluímos no conjunto de possibilidades metodológicas para processos de convergência uma forte ação de benchmarking, já que temos à disposição uma sucessão de experiências bem sucedidas de aplicação de processos de convergência em empresas de mídia, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
A prática contínua desta atividade comparativa traria enorme fertilidade aos estudos de caso a serem realizados no ambiente brasileiro.
Processos de convergência e modelos de avaliação organizacional
A discussão da convergência em empresas informativas parece-nos formalmente atrelada a aspectos organizacionais de estratégia, analise ambiental e proposição de modelos. Tais aspectos estão fundados no campo da Gestão Empresarial que postulamos como campo de pesquisa correlata neste projeto. A pesquisa de Lawson-Border revela que “a maioria das empresas de mídia – sejam as tradicionais como jornais e radiodifusoras, ou aquelas de entretenimento, informação, software e fabricantes de produtos eletrônicos – estão em busca do melhor modelo de provimento de pacotes de conteúdo aos diferentes públicos” (Lawson-Border, 2007, p.14). Sua indicação revela toda uma cadeia de valor da indústria de mídia envolvida em diferentes possibilidades de processos de convergência. Neste sentido, propomos a associação, ao longo do processo de observação de casos de convergência, a um modelo de análise organizacional que oriente recortes em níveis da cadeia de valor e respectivas correlações.
A exemplo do que fizemos na delimitação do termo de convergência, nesta etapa inicial e exploratória da pesquisa, propomos a adoção do modelo de avaliação de desempenho global proposto pelo professor Hamilton Luís Corrêa, co-autor deste trabalho. Tal modelo procura medir o desempenho organizacional incluindo todas as variáveis/dimensões que afetam a consecução dos objetivos e, consequentemente o desempenho organizacional (Corrêa, 2007, no prelo). As bases deste modelo de gestão global da empresa estão no correlacionamento do plano estratégico, dos modelos de gestão e do plano de negócios para se chegar a um resultado de desempenho. Consideramos oportuna sua aplicação para empresas de mídia na medida em que o modelo possibilita uma visão abrangente e simultânea de todas as dimensões da organização; cruza o histórico evolutivo da empresa e realiza o comparativo com outras empresas e setores (benchmarking); aponta relações de causa/efeito e possibilita antecipação e previsão do desempenho.
Por meio da aplicação do modelo de avaliação global será possível avaliar o nível de ação convergente de uma empresa de mídia posicionada em sua cadeia de valor. A metodologia de aplicação do modelo proposta por Corrêa conforme descrição a seguir, prevê a definição de indicadores para avaliarmos a operacionalização da convergência na empresa de mídia e em sua cadeia de valor:
Etapa 1: descrição da empresa,ambiente, cultura, missões, objetivos, estrutura e estratégia;
Etapa 2: definição dos módulos de análise, hierarquização, pontuação de desempenho e inter-relação dos módulos;
Etapa 3: definição de indicadores, levantamento dos dados, pontuação e hierarquização;
Etapa 4: definição dos padrões; e
Etapa 5: avaliação e retro-alimentação.
Neste processo, aplicado à convergência, retomamos as pesquisas de Lawson-Border que sugere sete indicadores de convergência nas empresas de mídia a saber: a comunicação inter e intra níveis hierárquicos da empresa de mídia como garantia da uniformidade de posturas; o comprometimento por parte da empresa na incorporação da convergência como parte de sua missão e filosofia; a cooperação contínua de todos os envolvidos como alavanca de evolução; compensações diversas pela multiplicação de tarefas; a mudança cultural especialmente face aos conhecidos corporativismos nas empresas de mídia; a extensão da competição para elementos não-midiáticos da cadeia de valor; e a consideração do cliente (usuário, leitor, etc.) como elemento central do processo de convergência.
Proposições para continuidade da pesquisa
Apresentamos até este ponto do trabalho as primeiras idéias para a construção de uma metodologia de pesquisa aplicado ao estudo cientifico dos processos de convergência midiática em ambientes digitais de informação e comunicação.
Um primeiro aspecto decorrente deste estágio inicial será aprofundar as discussões aqui apontadas e testar a aplicação dos modelos por meio de estudos de caso piloto.
O segundo aspecto é a complementação teórica e temática do quadro geral aqui apresentado.
Conforme vimos, o tema central – processos de convergência – se desdobra em outros que consideramos fundantes e carecem de detalhamento. Não poderemos tratar de convergência sem discutirmos as formas estruturais de uma redação, seus aspectos físicos e tecnológicos e o perfil dos profissionais ali agregados. A literatura aponta uma série de modelos de “redação do futuro”, refletindo diferentes composições entre meios e processos que serão vitais em nossas análises futuras.
Consequentemente, os aspectos estruturais remetem aos aspectos narrativos, linguagens e gêneros que emergirão do trabalho operativo de tal estrutura de produção de conteúdo. Este é mais um conjunto temático a ser apropriado futuramente.
Se considerarmos que os processos de convergência colocam no centro produtor e consumidor de conteúdos as demandas e comportamentos dos usuários, teremos que obrigatoriamente discutir novas formas de práxis do jornalismo digital que se configuram em processos mais participativos e de simetria comunicacional entre as velhas figuras de emissão e recepção.
Por fim, as questões sobre modelos de negócio, estratégia e planejamento empresariais aplicados a realidade de mídia dos mercados Brasil e núcleos globais se fará necessária para o posicionamento de uma metodologia.
1 Professora Titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) atuando nos cursos de graduação e pós-graduação na área Interfaces Sociais da Comunicação. É Livre-Docente e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP; mestre e graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia Administração e Contabilidade – USP (FEA-USP). É colaboradora do blog Intermezzo imezzo.wordpress.com, autora do livro Estratégias para a mídia digital: internet, informação e comunicação, Editora Senac – SP, 2003. Email: bethsaad@gmail.com.
2 Professor Doutor do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor e pesquisador dos cursos de Graduação em Administração de Empresas e do Programa em Pós-graduação em Administração da FEA-USP nas áreas de avaliação de desempenho global, estrutura organizacional e modelos de gestão. Email: hamillco@usp.br.
3 Trabalho apresentado no V Congresso da SBPJor, 2007.
4 Apenas como referência ao tema no Brasil, já foram geradas uma série de dissertações e teses a partir dos trabalhos iniciais desenvolvidos pela autora deste paper – sua tese de doutoramento (1995), a tese de Livre-Docência (2001) e a publicação do livro Estratégias para a mídia digital: internet, informação e comunicação, Editora Senac – SP, 2003.
5 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa e Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
6 A base do paradigma indiciário não é colher e descrever indícios, mas selecionar e organizar informações da realidade para fazer inferências, implicando em fazer proposições de ordem geral a partir dos dados singulares obtidos. Ver Braga (2007) para maior aprofundamento do tema.
7 Interessante a exemplificação apresentada por Vilem Flusser para compreendermos o caráter interpretativo da Comunicação: “[...] por exemplo, uma nuvem é explicada quando se indicam suas causas, e um livro é interpretado quando se remete a seu significado. [...] Portanto, a teoria da Comunicação será entendia como uma disciplina interpretativa (diferentemente, por exemplo, da ‘teoria da informação’ e da ‘informática’), e a comunicação humana será abordada como um fenômeno significativo e a ser interpretado.” (Flusser, 2007, p. 91 e 92)
8 Embora tal denominação ainda suscite polêmicas, entendemos aqui como “jornalísticos” aqueles weblogs vinculados e suportados no ciberespaço por organizações tradicionais de mídia, cujo conteúdo dissemina informação noticiosa.
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Submetido: 07/06/2008, aceito: 07/07/2008