Este trabalho visa a abordar algumas estratégias de persuasão do discurso publicitário. Da perspectiva de sua relação com o jornalismo, principalmente com o fotojornalismo, a publicidade tenta se estabelecer sobre estratégias de fazer parecer verdadeiro e de suposta evidência das qualidades do produto, o que Floch designa como publicidade referencial. Tais estratégias amparam-se em dispositivos de ordem figurativa e plástica, convocados a “fazer sentir” os discursos mais do que a compreendê-los racionalmente, com vistas, portanto, a uma eficácia comunicativa sobre o público-alvo a ser atingido. A partir daí, e na esteira de Muniz Sodré, é que se fala, no presente texto, em estratégias sensíveis dos discursos publicitários, tendo como foco a análise das articulações de texto e imagem presentes nos exemplos de publicidade selecionados para a constituição do corpus.
This paper aims to address some of the strategies of persuasion of advertising speech. From the perspective of its relation with journalism, especially photojournalism, advertising tries to establish itself on strategies of makingreal and of supposed evidence of the product´s qualities, which Floch calls as advertising reference. Such strategies are based on figurative and plastic devices, in order to "feel" the speeches more than understanding them rationally, with the objective of creating a communicative effectiveness on the target audience. Starting from this point and based on Muniz Sodré´s, this text discusses sensitive strategies of speeches in advertising discourse, focusing in the examination of the articulations of the text and the image present in various examples of advertising selected for the formation of corpus.
Com o desenvolvimento dos diversos meios de comunicação impulsionado pela evolução das tecnologias e pela produção industrial, a sociedade pós-moderna (marcada principalmente por três grandes dimensões: o consumo, a economia e a comunicação) assistiu ao surgimento da era globalizada e midiatizada. Em meio a este cenário, a mensagem publicitária transformou-se em um importante instrumento comunicacional, agindo diretamente na cultura, na economia e no comportamento das pessoas, promovendo produtos e marcas.
Na primeira metade do século XX, a publicidade desenvolvia-se com o propósito de expor informações objetivas, divulgando a disponibilidade dos produtos. A partir da década de 50, intensificou-se o discurso, a linguagem persuasiva, uma técnica para sobrevivência em um mercado de concorrência acirrada e abundância de oferta de produtos com qualidade percebida. Um exame rápido da comunicação nos últimos 15 anos nos faz perceber que o discurso publicitário, especialmente as imagens, sofreram transformações do ponto de vista de produção técnica, de conteúdo, na estética visual e principalmente na construção de suas estratégias comunicacionais.
Quando nos referimos a estratégias comunicacionais, percebemos que a publicidade disputa e busca espaços para sua perpetuação com diferentes mídias e fontes de informação. As formas sob as quais a publicidade se apresenta são multifacetadas de tal maneira que os seus limites escapam à nossa percepção; isso pode ser percebido no corpus apresentado neste artigo, que coloca em evidência o fato de que as fronteiras entre a publicidade e outras áreas, como o fotojornalismo, estão cada vez mais estreitas e imperceptíveis.
É nesse contexto que este trabalho visa a abordar algumas estratégias de persuasão do discurso publicitário. Tais estratégias amparam-se em dispositivos de ordem figurativa e plástica, convocados a fazer sentir os discursos mais do que a compreendê-los racionalmente, com vistas, portanto, a uma eficácia comunicativa sobre o público-alvo a ser atingido.
É importante ressaltar que estamos lidando com um campo da comunicação em que a capacidade de mobilidade e disfarces do discurso publicitário é inesgotável. Isso porque há a necessidade de estabelecer estratégias em uma sociedade midiatizada, em que as pessoas estão saturadas de informação, de publicidade e propaganda. Assim, algumas estratégias do discurso publicitário ultrapassam as fronteiras do lugar-comum (publicidade convencional), com o propósito de despertar a atenção do público-alvo.
A metodologia de análise das estratégias do discurso publicitário está baseada no estudo efetivado por Floch (1993) sobre fotografia e publicidade, visando a analisar as concepções da relação entre linguagem e realidade subjacentes ao fazer publicitário, do qual resultou o estabelecimento de quatro grandes grupos de publicidades: publicidade referencial, publicidade mítica, públicidade oblíqua e publicidade substancial. O ponto de partida da presente pesquisa está centrado na publicidade referencial, por sua relação evidente com o discurso jornalístico, principalmente com o fotojornalismo, e pelo fato da publicidade referencial se estabelecer sobre estratégias de fazer parecer verdadeiro e de suposta evidência das qualidades do produto.
O corpus deste trabalho foi composto por quatro imagens de campanhas publicitárias, especificamente de anúncios impressos de revistas nacionais e internacionais. Entre as revistas nacionais estão Elle, Vogue e Caras; e internacionais Lürzer´s Int´l Archive e Vogue. A escolha das revistas Elle e Vogue se deve ao fato de que elas são direcionadas ao segmento de moda, onde encontramos uma maior publicação de anúncios com as características do objeto de pesquisa: publicidades que indicam elementos do fotojornalismo. Tanto a edição nacional quanto a internacional tem periodicidade mensal.
A pesquisa tem como foco a análise das articulações de texto e imagem, com apoio na semiótica plástica de linha européia, que tem Jean-Marie Floch e Eric Landowski como dois de seus maiores propulsores. Com o objetivo de sistematizar as peças analisadas em função de seus traços característicos, utilizamos o inventário dos quatro tipos de fazer publicitário elaborado por Floch, que se revelou eficaz para os propósitos do trabalho de verificar as relações dinâmicas entre dois universos tradicionalmente separados: o da referencialidade informativa e o da cosmeticidade publicitária.
Os problemas levantados, que pretendemos responder são: a apropriação de um discurso próprio ao fotojornalismo mostraria uma abertura da publicidade às atualidades do mundo? Ou pode-se dizer, com Landowski, que não mais poderíamos fugir dos espaços publicitários propriamente ditos senão para entrar no espaço sem fronteiras de uma publicidade generalizada? Quais são os recursos que a publicidade usa para efetivar sua eficácia na contemporaneidade?
A partir dessas questões surgiram os objetivos deste trabalho, que pretendem discutir as relações dos elementos que compõem o discurso publicitário, a relação entre publicidade e jornalismo em fotografias de publicidade. Busca-se a comprovação da hipótese de que a publicidade está saindo do invólucro que a diferenciava, isto é, mascara o discurso totalmente persuasivo e assume ares e integra-se ao discurso jornalístico com vistas ao efeito de sentido e realidade, e não somente de sonho idealizado. Compelida fora da sua forma convencional, a publicidade está a par de tudo. Ela se desfaz de mecanismos que pareciam próprios e incorpora novas formas de fazer publicitário, originando uma grande publicização das relações.
O discurso publicitário na contemporaneidade
A publicidade desempenha um papel muito significativo na sociedade atual. Há quem diga que ela é a mola propulsora das mudanças de hábitos e costumes culturais, alterando a mentalidade e o comportamento das pessoas. Buscando apresentar o produto ao consumidor, a publicidade é o espelho que representa e reflete a ideologia, os atributos e qualidades das marcas.
A sociedade do consumo é caracterizada, segundo Semprini (2006), como uma fase em que o progresso industrial impulsionou a produção, gerando oferta de produtos e, conseqüentemente, a demanda de consumo; as pessoas conhecem novos produtos, adquirem novos hábitos. É nesse período que as marcas ganham espaços para diferenciar os produtos e informar sobre eles e a publicidade surge como uma ferramenta facilitadora do consumo. As palavras mágicas nessa época são “modernidade, progresso e produção em massa” (Semprini, 2006 p.27). Mas é na segunda metade dos anos de 1980 que o mundo vivencia um notável desenvolvimento da comunicação publicitária. Isso devido à desintegração em vários países do monopólio público audiovisual e o pleno crescimento das indústrias.
Ao contrário das notícias sobre um mundo em caos, com cenários de fome, miséria, destruição ambiental, guerras políticas, culturais e religiosas, a publicidade costuma apresentar na forma de comerciais televisivos, anúncios e gigantescos outdoors, um mundo perfeito e ideal. Berger (1999) e Toscani (2003) concordam, que em certas publicidades tudo é alegria, sem guerras, sem fome, um verdadeiro encanto sendo a beleza eternizada por lindos corpos e pelo luxo material. A mensagem publicitária caminha entre o sonho idealizado e o desejo de usar o produto na vida cotidiana.
Landowski reconhece: “Das páginas das revistas aos outdoores da esquina, passando pela TV, a publicidade nos oferece dessa forma, sem descanso, a visão de um mundo de sonhos, repleto não tanto de coisas úteis, a serem compradas para que delas possamos usufruir, mas, antes, de objetos desejáveis a se oferecer a si mesmo, não importando quanto custa” (2004, p.33). Para o autor, a comunicação publicitária possui a arte de se autolegitimar e responde, por si mesma, a uma espera partilhada por seus receptores, de imagens. Fazendo, dessa forma, surgir um desejo de publicidade, “ela sabe criar e difundir uma permanente expectativa “por imagens” (Landowski, 2004, p.34).
Estratégias sensíveis
No contexto da sociedade midiatizada e na esteira de Muniz Sodré (2006), podemos compreender de maneira mais clara a problemática existente na atualidade: uma sociedade moldada pela comunicação e exposta diretamente aos efeitos das estratégias comunicacionais. Sodré explica as estratégias como uma relação que permite a flexibilização e/ou a adaptação de regras ou normas. “Impõe-se um mapeamento completo de uma situação, capaz de fornecer indicações quanto a escolha racional a se fazer em cada eventualidade possível. Essa relação é o que normalmente se conhece como estratégia” (Sodré, 2006, p.9).
Para o autor, existem muitas estratégias discursivas no jogo da comunicação. Cabe às estratégias jogar conforme as circunstâncias da situação interlocutória, com a forma inicial do sistema, buscando a comunicação de um com o outro (entre indivíduos). Uma linguagem ou um discurso não se reduz à função apenas de transmissão de conteúdos referenciais. Durante a relação comunicativa, além da informação veiculada pelo enunciado, há também a relação entre duas subjetividades, isso é, entre os interlocutores. De uma forma mais resumida, Sodré questiona:
Quem é para mim, este outro com quem eu falo e vice-versa? Esta é a situação enunciativa, da qual não dão conta por inteiro a racionalidade lingüística, nem as muitas lógicas argumentativas da comunicação. Aqui têm lugar o que nos permitimos diesignar como estratégias sensíveis, para nos referirmos aos jogos de vinculação dos atos discursivos às relações de localização e afetação dos sujeitos no interior da linguagem (2006, p.10).
O autor, citando Landowski, diz que o semioticista persegue a semiótica do sensível, e situa-se teoricamente num “aquém e além das estratégias”, isso ao conceber um regime comunicativo em que o sentido troca a lógica de circulação de valores do enunciado pela co-presença somática e sensorial dos actantes” (Sodré, 2006, p.10). Quando se age afetivamente, em comunhão, sem controle racional, mas, com abertura criativa para o outro, a estratégia é o modo de decisão de uma singularidade. A dimensão do sensível, por exemplo, implica uma estratégia de aproximação das diferenças, ocasionada pelo ajustamento afetivo, somático entre as partes diferentes do processo, sendo essas diferenças ligadas à constituição de um saber, mesmo inteligível, nada deve à racionalidade crítico-instrumental do conceito ou às figuras abstratas do pensamento.
Conforme o autor, o singular não é o individual, nem o grupal, mas sim o sentido em potência. É, dessa forma, um afeto, isento de representações e sem atribuições de predicados aos sujeitos. As experiências sensíveis orientam-se por estratégias espontâneas de ajustamento e contato em situações interativas, onde o indivíduo possui um lugar exterior aos atos puramente lingüísticos, isto é, um lugar singularíssimo do afeto.
Em face dessas definições, Sodré (2006) define afeto como uma imagem ou uma idéia. Refere-se ao exercício de uma ação no sentido B, em particular sobre a sensibilidade de B, que é um ser necessariamente vivo. A ação de afetar tem significado de emoção, uma manifestação de um fenômeno afetivo, um estado de choque ou perturbação da consciência. Em resumo, afeto pode ser entendido como um idéia de energia psiquíca, assinalada por uma tensão em campos de consciência contraditórios. Assim, o afeto se apresenta no desejo, na vontade, da disposição psíquica do indivíduo que busca prazer, que é provocado pela descarga da tensão.
De fato, na contemporaneidade, quando o mundo se faz imagem por efeito da razão tecnológica, a redescoberta pública ( e publicitária) do afeto faz-se sob a égide da emoção como um aspecto afetivo das operações mentais, assim como o pensamento é o seu aspecto intelectual. Se por um lado afirma-se a morte da razão una e universal, que é metafísica do pensamento forte e único entronizada pelo Iluminismo, por outro proclama-se a vida das múltiplas razões particulares, e pode-se mesmo então instituir epistemicamente uma razão ou uma inteligência para a emoção (Sodré, 2006, p.47).
A emoção é resultado do desejo, isso porque a emoção, ao implicar uma concepção do passado e referir-se a algo do futuro, é atinente ao desejo. A emoção carrega, assim, uma força capaz de dominar o intelecto quanto à ambigüidade decorrente do fato de ser rejeição de aspecto e atribuição de privilégio a outro.
Para o autor, no contexto da contemporeneidade, coadjuvado pela publicidade e pela mídia, que influi poderosamente na redefinição da subjetividade, acentuam-se os elementos do imaginário e do desejo. Neste contexto, a estética é um dos campos mais importantes na manifestação do sensível na sociedade. No império da mídia, as técnicas de retórica e persusão e controle das massas (como o sistema usado por Hitler em propaganda política) acabaram sendo apropriadas pela publicidade comercial na atualidade. A persuasão, a emoção, mexer com a sensibilidade do público, levar ao apelo, à banalidade, são os recursos mais utilizados e aperfeiçoados pela publicidade. As retóricas variam em razão de sua substância como o som, a imagem, o gesto. Na publicidade, a retórica é apresentada no discurso através do texto, da imagem e da adequação da mensagem às mídias.
A diferença com o passado é que, agora, sob os cuidados da mídia, o sismógrafo também produz abalos sísmicos, isto é, a mídia não é um mero instrumento de registro da realidade, mas sim um dispositivo de produção de realidade, uma certa realidade espetacularizada, produzida para a excitação e gozo dos sentidos.
Cabe ressaltar, como Sodré (2006) estabelece, a definição de estratatégias sensíveis no uso comunicacional; para isso, é preciso entender a relação de estratégia e sensibilidade, ou a teoria do sensível. O autor retoma a origem moderna da estética (1750-1758), com A.G. Baumgarten, para explicar essa teoria. Baumgarten afirma, com sua epistemologia da sensibilidade, que o belo teria valor cognitivo: “A beleza não é apenas um marca sensível da idéia, mas o único modo possível de manifestação de determinados objetos, o que garante à estética a sua autonomia em termos de conhecimento” (Sodré, 2006, p.86).
Para o autor, a obra de arte, por exemplo, é uma representação bem-sucedida e privilegiada, porém não esgota o objeto da estética, o que é na verdade arte de perceber, uma poética da percepção, um modo de conhecimento do sensível em sentido amplo: “[...] a faculdade de sentir do sujeito humano, semanticamente implicada no grego aisthánesthai, isto é, perceber por meio dos sentidos. Aisthesis (sensibilidade, estesia), por sua vez, é tanto sensação quanto percepção sensível” (Sodré, 2006, p.86)
Baumgarten era discípulo de Wolff, que em sua obra Psicologia empírica (1732) se refere aos sentidos como a capacidade inferior do conhecimento. É neste ponto que Baumgarten intervém e inventa a estética, em 1750, como uma teoria das potências inferiores da alma ou a teoria da sensação e da intuição. Baumgarten, assim como seu mestre, sempre manteve a estética num patamar de inferioridade, afirmando, no entanto, a existência de um vínculo entre o juízo de gosto (o judicim sensitivum, que reconhece o individual sensível) e a sensibilidade (aisthesis). O sentido da estética está diretamente ligado aos efeitos de sentidos que as publicidades provocam no público-alvo. A composição do texto verbal de um anúncio apresenta elementos estéticos que influenciam e constroem valores do público em relação ao produto anunciado.
Estratégias nas imagens publicitárias: o sonho e a realidade
Da representação do cotidiano ao desenho artístico, histórico e documental, a imagem se tornou um elemento existencial da humanidade. Berger explica que as imagens foram feitas, a princípio, para representar algo ausente: “Pouco a pouco porém, tornou-se evidente que uma imagem podia sobreviver àquilo que representava; nesse caso, mostrava como algo ou alguém tinha sido e, conseqüentemente, como o tema havia sido visto por outras pessoas” Berger (1999, p.133). A imagem publicitária está intimamente ligada à vida diária das pessoas e à idéia de liberdade: liberdade de escolha do comprador, liberdade de iniciativa do fabricante. Os grandes painéis e os anúncios luminosos das cidades, por exemplo, são sinais visíveis de um mundo “livre”, um lugar onde a publicidade leva as pessoas a uma vida de êxtase e “felicidade”.
Na publicidade contemporânea, verifica-se o uso de estratégias que superam os elementos de representação de beleza e perfeição, explorados nas publicidades convencionais. Daí o foco deste trabalho concentrar-se nesses tipos de estratégias que parecem romper com o paradigma do mundo perfeito. A publicidade encontra nos espaços abertos de uma sociedade repleta e sufocada de informação formas estratégicas de diferenciação. Muitas dessas estratégias criam a aparência de preocupações com o destino do mundo, com as tragédias e problemas que afligem o ser humano. Deriva daí, desta fuga do lugar-comum da publicidade, o uso de recursos, de elementos e de procedimentos de outras mídias, por exemplo.
Essa constatação já se manifesta, a partir da década de 90, com as campanhas realizadas pelo fotógrafo e publicitário Olivieiro Toscani, para a empresa Benetton. Toscani pode ser considerado um dos precursores de um novo tipo de fazer publicitário em que a realidade está presente nas imagens e se mistura com a proposta persuasiva de vender a marca, ou, como ele afirma, vender a idéia da marca.
As imagens retratadas nas peças publicitárias de suas coleções revelam o anti-racismo, os fatos da atualidade e a vida cotidiana das pessoas em seu ambiente natural. São imagens que funcionam como um imenso jornal de rua, um mural que questiona tabus e medos. Para Toscani, o fato de sua publicidade ter chocado tanto as pessoas deve-se a não se parecer com as outras. O primeiro cartaz que provocou polêmica mundial foi de um bebê branco sendo amamentado nos braços de uma mulher negra. A razão da foto era entrar em ressonância consigo mesmo a respeito de uma idéia filosófica, a da miscigenação racial.
A imagem da figura 2, por exemplo, é da coleção primavera/verão de 1991; a idéia surgiu em pleno início da guerra no Golfo, em 1990. O fotógrafo registrou a imagem do cemitério Chemin des Dames, próximo a Paris. Ali se encontravam cruzes de todos os países de soldados mortos. Toscani queria sensibilizar as pessoas e recriar um dos principais absurdos de uma guerra: a morte. A imagem foi rejeitada inicialmente pelo jornal Libération, francês, pela revista Stern alemã e outros jornais italianos.
A proposta publicitária de Olivieiro Toscani de utilizar como estratégia comunicacional a dimensão do real ultrapassando as fronteiras da publicidade “convencional”, conduzida pelos elementos persuasivos de beleza e sonho idealizado, pode ser discutida em níveis teóricos com os estudos do semioticista Jean-Marie Floch.
No âmbito da semiótica discursiva, de linha européia, Jean-Marie Floch, integrante da Escola de Paris, dirigida por A.J.Greimas, desenvolve uma tipologia do fazer publicitário tendo como um dos focos de seus estudos a dimensão plástica dos textos, tanto verbais quanto visuais, e estrutura seus estudos numa classificação de tipos de discurso distribuídos no quadrado semiótico. Floch argumenta que, para a semiótica, o sentido resulta da reunião, na fala, na escrita, no gesto ou no desenho, de dois planos que toda linguagem possui, o plano da expressão e o plano do conteúdo.
O plano da expressão é o plano onde as qualidades sensíveis que possui uma linguagem para se manifestar são selecionadas e articuladas entre elas por variações diferenciais. O plano do conteúdo é o plano onde a significação nasce das variações diferenciais graças as quais cada cultura, para pensar o mundo, ordena e encadeia idéias e discurso (Floch, 2001, p. 9).
De acordo com Floch, no artigo Muertos en el cascarón: las apuetas semióticas de las diferentes filosofías de la publicidad, incluído na obra Semiotica, Marketing y Comunicación, base de nossas reflexões, o princípio da semiótica é ajudar a compreender as diferenças e definições das relações. O mundo dos sentidos é inteligível pela semiótica e passível de ser estudado. A semiótica, como uma forma de análise de publicidade, vem tentar explicar a publicidade como um produto de construção de sentido, vem explicar o sistema de relações que formam as produções textuais e visuais e as entende a partir do modo de organização de suas unidades estruturais ou formais.
Floch analisa em seu texto as diferentes formas de construções criativas de campanhas publicitárias. Para isso, ele usa declarações e exemplos de campanhas realizadas por publicitários como J. Feldman, J. Séguéla, Ph. Michel, e D. Ogilvy considerados representativos de cada conceito de fazer publicitário por ele examinado. As ideologias da publicidade são garantidas por duas categorias: a função representativa, atribuída ao discurso, e a função construtiva. Com base em duas funções da linguagem, a representativa e a construtiva, Floch obtém quatro posições que possibilitam quatro tipos de representações de estratégias publicitárias: publicidade referencial, publicidade oblíqua, publicidade mítica e publicidade substancial.
A publicidade referencial representada pelas peças publicitárias de D. Ogilvy usa como instrumento no processo criativo um discurso que parece tratar da realidade, da verdade (como efeito de sentido), um discurso que procura se adequar à realidade do público ao qual ela se destina. Esse tipo de publicidade exige do seu criador um caráter crítico e observador do cotidiano, isso para criar no discurso argumentos informacionais que envolvam o público e a mensagem ali apresentada. Trata-se de uma publicidade da verdade, concebida como uma adequação da realidade, como uma construção. A publicidade referencial também procura, por meio dos anúncios realistas, demonstrar a ética, aqui defendida por D. Ogillvy, de que, ao criar um anúncio, procura falar a verdade.
Em negação à publicidade referencial, existe a publicidade oblíqua com referência nas criações de Ph. Michel. Neste tipo de publicidade, o sentido é construído em ato: não está dado. A publicidade joga com o incongruente e o não-imediato, aquele que olha o anúncio é o sujeito de um fazer interpretativo. O propósito desse tipo de publicidade é fazer com que o consumidor seja um sujeito cognitivo, em que o anúncio coloque em prova a inteligência do seu leitor. “Uma máquina de fazer publicidade”, assim Floch (2001, p.219) define publicidade mítica. Esse tipo de publicidade vem em contraposição à publicidade referencial, pois torna o consumo, a compra, um ato interessante e divertido, construindo um imaginário em torno da compra. A publicidade mítica tem como característica a construção de valor semântico do produto conforme um discurso arquetípico. Por fim, tendo como representante J. Feldman, a publicidade substancial fecha os quatro tipos de fazer publicitário propostos no quadrado semiótico de Floch. A publicidade substancial se define na negação da publicidade mítica e tem como foco principal o produto como um diferencial de consumo. A substancial tem a preocupação de gerar sensação de estranhamento do consumidor perante o produto. Isso ocorre pelo fato de a publicidade substancial ressaltar as qualidades essenciais do produto (daí seu nome substancial), transformando-as em diferenciais de percepção para o público.
Fronteiras entre a publicidade e o fotojornalismo
A história do fotojornalismo é uma história de tensões e rupturas. Uma história do aparecimento, superação e rompimento de rotinas e convenções profissionais, uma história de oposições entre a busca da objetividade e a assunção da subjetividade e do ponto de vista, entre o realismo e outras formas de expressão. Conforme Sousa (2000), uma história entre o matizado e o contraste, entre o valor noticioso e a estética, entre o cultivo da pose e o privilégio concedido ao espontâneo e a ação. A partir dos anos 80 surgem os manuais que estabelecem os códigos de composição fotojornalística baseados, por exemplo, na assimetria do motivo (exemplificando com a regra dos terços), no enquadramento selecionador do que o fotojornalista entende que é significativo numa cena vasta, na manutenção de uma composição simples, na escolha de um único centro de interesse em cada enquadramento, na não inclusão de espaços mortos entre os sujeitos eventualmente representados na fotografia, na exclusão de detalhes externos ao centro de interesse, na inclusão de algum espaço antes do motivo (inclusão de um primeiro plano, que deve dar uma impressão de ordem), entre outros.
A fotografia jornalística continua a ser vista como um espelho da realidade, isto é, ela é o registro da verdade, do fato ocorrido, pois o fotógrafo estava lá para testemunhar e registrou o acontecimento. A fotografia como um espelho da realidade está fortemente vinculada à história cultural da fotografia como uma atividade que funciona como prova, que beneficia auto-verdade, é uma representação da realidade, uma verdade documentada pela imagem. A fotografia credibilizaria os enunciados verbais e as representações da realidade que os enunciados criavam.
Quem olha a imagem da figura 3, acredita estar diante de um exemplar de fotojornalismo. Uma criança, suja, manchada pelo descaso, pela dor, pela destruição. Uma possível menina que segura em seus braços uma boneca aparentemente limpa. A figura faz parte de uma das campanhas realizadas por Oliviero Toscani à empresa Benetton como continuidade de suas peças em apresentar temas polêmicos e denunciantes de uma realidade. Na imagem, se não fosse a marca da Benetton assinando a fotografia, certamente diaríamos que se trata de um foto jornalística.
Pepe Baeza (2001) afirma que as mensagens visuais na contemporaneidade competem entre si. Essa competição se efetua sobre uma enfatização da própria mensagem que supõe, em muitas ocasiões, o abandono dos limites estilísticos que as diferenciavam historicamente dos diferentes tipos de imagens, não para superar a tradição, mas sim pela sintonia com as tendências globais da pós-modernidade, para substituir, hibridar e confundir com os estilos de outros gêneros, outras áreas de outros usos radicalmente distintos.
A publicidade para esse autor, por exemplo, está incorporando estratégias, principalmente estéticas da criação tradicional do fotojornalismo clássico (como o uso de cores branca e preta; contrastes acentuados, exposição de obejtos, ângulos, enquadramento, representação de instantaneidade), com a finalidade, por um lado, de diferenciar-se das outras imagens publicitárias e, por outro, de ganhar respeitabilidade (credibilidade e verdade) que são caracterísitcas do fotojornalismo, isso tudo para atrair a atenção do público.
A publicidade, que tem na sua própria natureza a comunicação persuasiva, de certa forma impulsionada pelas tendências da criação artística e da fotografia, “assalta” e incorpora os estilos tradicionais do fotojornalismo. A abolição de gêneros, a dissolução dos estilos, a camuflagem do emissor, o deslocamento dos conteúdo sem uma linha de espectacularidade são fatores que, sobre o implemento da virtualidade, favorecem o desenvolvimento de uma cultura-mosaico propensa à saturação, ao secreto e efêmero, características estas dominantes de uma cultura de massa da atualidade. Vejamos os anúncios que compõem o corpus e exemplificam essa mistura de gêneros ou as incorporações do fotojornalismo no discurso publicitário.
A figura 4, o primeiro anúncio em análise, é da campanha da grife Marc Jacobs divulgado na revista Vogue, EUA em março de 2006. Flagrante ou registro de um fato. Chocante, a imagem parece claramente a cena de um crime, uma imagem semelhante em formas, ângulos, sombras e luz a uma fotografia jornalística. Morte, assassinato, apenas um corpo caído? Um descanso na areia após uma longa festa? Quais serão as intenções deste anúncio? Simplesmente chocar, paralisar o observador, deixar que ele mesmo crie e visualize interpretações e tenha seus próprios efeitos de sentidos sobre a imagem.
A imagem apresentada em duas páginas da revista, composta em um quadro branco, uma fotografia com elementos característicos de fotojornalismo (pose, cortes, iluminação, exposição do corpo e detalhes), mostra um corpo caído de bruços. Possivelmente pelas formas femininas (silhuetas, pernas e pés e detahes da roupa) como um corpo de mulher. Um casaco, uma saia, um par de sandálias, a metade de um corpo. Uma página em branco com a marca do anunciante.
Ao fazer uma análise do plano de conteúdo da imagem-objeto deste estudo, apresenta-se uma categoria semântica mínima vida vs morte para sua semântica fundamental. No corpo caído ao chão encontramos a figuratividade da morte, e na posição dos pés, envoltos por calçados, e as coxas e quadril cobertos por tecidos, saia e capa, a vida.
Podemos dizer, com base nos elementos que compõem essa publicidade, segundo a classificação dos tipos de fazer publicitário de Floch, que se trata de uma publicidade referencial. O plano do conteúdo da imagem é formado pela categoria semântica fundamental morte vs vida: sendo a morte figurativizada pelo corpo estendido ao chão e a vida pelo produto exposto. A relação entre morte vs vida e corpo estendido vs produto ainda não pode ser considerada semi-simbólica, pois está estabelecida apenas no plano do conteúdo entre as categorias semântica fundamental e as figuras do discurso. Para existir um semi-simbolismo é necessário confirmar que há uma relação com as categorias do plano da expressão. E isso vai se estabelecer no tratamento plástico dado ao corpo estendido e ao produto.
A segunda imagem, figura 5, é uma peça publicitária criada pela agência Young&Redcell de Lisboa, Portugal e fotografia de Magnum AIC, tem como tema principal a solicitação de ajuda e apoio à Fundação de Assistência Médica Internacional (AMI). Na imagem, um campo de possíveis refugiados apresenta um enquadramento exato entre as margens do quadro e seu centro onde está uma pessoa de costas, levando em cada uma das mãos um balde, possivelmente de água. À sua frente, se observarmos com atenção, visualiza-se mais uma pessoa que segura também um balde. Isso se percebe ao lado esquerdo da cabeça da primeira pessoa e abaixo do seu braço direito.
Sobre uma rua de pedra, estas duas pessoas andam pela profundidade da fotografia que termina no horizonte entre inúmeras barracas, uma cidade com alguns prédios e um céu, cinza, levemente amarelado. Não há presença em primeiro plano de mais pessoas, ao fundo da fotografia, percebem-se alguns carros e alguns corpos de pessoas em pé. No canto direito da fotografia, tem-se a logomarca do anunciante, a fundadação AMI, com a frase: “Your turn to help”, traduzindo “Sua vez de ajudar”. A proximidade com a imagem é grande, o que dá ao observador a sensação de estar presente no ambiente onde a fotografia foi registrada. A sensação é do observador estar de pé, atrás juntamente com as pessoas que caminham à frente.
A leitura utilizada neste anúncio foi centralizada, pois não há a predominância de pontos de atenção da esquerda para a direita e de cima para baixo, o ponto focal é o meio da imagem. Por este motivo, a fotografia ganha força e centralidade. A maneira como a imagem foi fotografada tem uma plasticidade muito real; a composição permite que o observador interprete que essa fotografia é um fato real e com sentido de expressão semelhante à foto jornalística, ou seja, um registro documental.
Nesta imagem, há a presença de diversos efeitos de texturas de fotografia jornalística, como, por exemplo: a textura do chão batido, cinza e de pedras; a textura nublada do céu acinzentado e levemente amarelado; a textura de fumaça, levemente apresentada acima das barracas e contornando a cidade; a textura das lonas que formam as barracas do acampamento. O aspecto realista desta imagem é reforçado pelo não tratamento técnico de produção dado à foto, como organização das barracas, claridade e fontes de luz em destaque, e mesmo a não exposição do rosto das pessoas. Todos os elementos e texturas dados à foto garantem a ela um resultado verossímel adequado à produção de sentido que se quer ser criar nesse anúncio.
Tendo em vista a mensagem plástica do anúncio, podemos dizer que o objetivo principal dessa publicidade é solicitar ao seu observador ajuda e ao mesmo tempo mostrar porque o anunciante se faz necessário, principalemente nesse cenário de abandono e de caos em relação à infra-estrutura. Não se vende nesse anúncio um produto de forma agressiva, mas sim uma situação em que o produto (a fundação AMI) é utilizado, onde ele está.
Na análise do plano do conteúdo verificamos que a imagem é formada pela categoria semântica fundamental descaso vs esperança, sendo o descaso figurativizado pelo abandono das pessoas em um campo composto com barracas de lonas e pelas pessoas que caminham carregando baldes pela estrada de chão, e a esperança figurativizada pela marca do produto exposto, do anunciante, a AMI, que solicita ajuda. A esperança reside em aproximar o público-observador, empresários, voluntários e pessoas que possam contribuir com a causa da AMI: realizar atendimento médico a necessitados.
O conjunto icônico é reforçado pela frase “Your turn to help” , traduzindo “Sua vez de ajudar”, composto em uma bandeira. Essa frase é interessante, pois faz uma analogia com o princípio da fundação, que é estar presente e prestar auxílio médico em campos de desabrigados e refugidos pelo mundo. A frase também faz uma solicitação ao leitor por requerer ajuda sem dizer de que forma, apenas requer. A mensagem lingüística presente no anúncio não serviu apenas como uma legenda da imagem, mas também reforçou ainda mais o conceito da empresa anunciante.
O terceiro anúncio apresentado foi criado pela agência Lobedu Leo Brunett, de Johannesburgo, África do Sul e fotografia de Michael Meyersfel apresenta uma composição cromática muito atraente. A textura aplicada ao seu layout utiliza tons cinza, pastel e levemente amarelado. A perspectiva do layout da fotografia se torna interessante, pois além da composição cromática o observador desloca seu olhar da esquerda para a direita e depois retorna para a esquerda novamente. Isso ocorre porque o olhar percorre a perspectiva diagonal, partindo da esquerda para a direita em sentido de baixo para cima. No canto esquerdo da fotografia temos um menino de pele clara, cabelos loiros, em pé, com as mãos dentro dos bolsos da camisa, azul clara e de botões. Veste uma bermuda da mesma cor e tecido da camisa um pouco acima dos joelhos. De pés descalços sobre a estrada de chão de pedras, esta criança paralizada desperta o olhar do observador pela sua imobilidade e frieza no olhar. Um olhar que não segue a linha diagonal do anúncio.
O ambiente em que o menino está é árido, lembra uma estrada velha, um posto de combustível abandonado, pelo fato de atrás do corpo da criança ter a imagem de uma contrução antiga, mal cuidada, com uma cadeira vazia, uma porta aberta, rachaduras das paredes e calçadas, uma bomba de abastecimento de combustível colocada fora da construção e muito arbustos, matos crescendo e invadindo a construção e a estrada.
A fotografia novamente leva o observador a estar presente e muito próximo à cena registrada. A falta de produção técnica também caracteriza esta imagem como sendo real, principalmente porque o olhar da criança não está voltado para as lentes da máquina fotográfica. Não há, senão pela mensagem verbal que indica o produto anunciado, a presença de lembranças do produto.
O olhar do observador desce para a parte inferior do anúncio, onde em uma mancha cinza que percorre todo o quadro do anúncio apresenta-se a mensagem verbal “From 0 lost toupee in 4.9 seconds. The all-powrful SLK 55 AMG convertible”. Traduzindo: “De 0 a 4.9 segundos perdendo a peruca. O todo poderoso SLK 55 AMG conversível”. A mensagem verbal deixa claro que o anúncio trata do produto carro, principalmente com a exposição da logomarca do anunciante no canto inferior direito do anúncio. Um Mercedes-Benz passou por ali e deixou cair a peruca. Ao mesmo tempo a paralisia da criança dá o efeito de sentido de que nem ela mesma viu ou percebeu o Mercedes passar. Analisando essa imagem no plano do conteúdo, percebemos como categoria semântica fundamental paralisia vs agilidade. A paralisia é caracterizada pela expressão corporal e pelo olhar da criança. A agilidade é marcada pelo texto verbal que explica ao leitor que um Mercedes-Benz passou nesse lugar.
A relação de elementos semelhantes do fotojornalismo com essa fotografia está presente em todo o layout, como, por exemplo, a textura das cores, a posição do ângulo da imagem e a frieza do olhar do menino e sua posição corporal diante do ambiente abandonado. Novamente temos o efeito de sentido do registro fotográfico e do anúncio estar indiferente ao produto anunciado, a evidência está no ambiente em que se passa ou ocorreu o fato e não no produto em si.
A figura 7, último anúncio analisado foi criado pela agência Publicis de Bangkok, Tailândia, com fotografia de Sorayuth Pumpakdee, para a empresa Assets Insurance, uma seguradora tailandesa, apresenta como layout a cena de um incêndio. A cena em ângulo aberto revela ao observador no centro do quadro um caminhão do corpo de bombeiros sendo incendiado coberto, por chamas de fogo. Ao fundo da imagem central, tem-se a construção de um prédio que toma todo o quadro. Uma construção com portas, janelas fechadas e sem a presença de nenhuma pessoa. O ambiente todo onde ocorre o fato está sem a presença de pessoas. Um aspecto relevante do layout é a textura escura parcial existente em toda a fotografia, o ponto de luz principal está nas chamas do carro sendo incendiado. Essa área de luz serve para um dar um delineamento à imagem.
A proximidade do observador com a imagem é grande, e o enquadramento está em um plano geral. A sensação é de que o registro foi feito bem em frente à cena e o fotógrafo estava de pé diante do acidente. Ressaltam-se também nessa imagem as semelhanças com o fotojornalismo primeiramente marcado pela instantaneidade do registro, o fotógrafo estava no local, no momento e hora exatos do fato; o fato era o incêncio de um carro do corpo de bombeiros e não na construção, na área residencial; há uma preocupação em registrar o ambiente abrindo a lente da câmera para um registro mais amplo da cena. A sensação gerada pela imagem é do fotógrafo e do observador estarem testemunhando um fato.
Analisando o anúncio do plano do conteúdo, temos a formação da seguinte categoria semântica: desastre vs salvação. Desastre está representado pelo incêndio do carro do corpo de bombeiros, primeiro pelo fato de estar ocorrendo um incêncio, o que por si só já é considerado um desastre. Em segundo, porque o desastre se faz maior nessa imagem pelo fato do incêndio estar ocorrendo no carro do corpo do bombeiros, que simbolicamente representaria a salvação. Assim, temos a salvação representada pela mensagem verbal que se faz presente com a frase: “Who else can you rely on?“, traduzindo: “Em quem mais você pode confiar ?”, e a colocação da marca do anunciante – Assests Insurance. A salvação é neste contexto o produto anunciado, o seguro oferecido pela seguradora Assets Insurance.
Considerações finais
Ao final das análises e dos comentários realizados anteriormente, é possível neste momento estabelecer duas conclusões: 1) a demonstração da referencialidade existente na tipologia de Floch e presente no corpus analisado: publicidades referenciais; 2) a diluição e passagens de elementos do fotojornalismo para as fotografias publicitárias como um recurso estratégico de criar efeitos de sentidos no receptor, neste caso efeitos de realidade.
Nos anúncios analisados, uma das principais semelhanças entre eles é o uso do recurso da fotografia como ícone principal da estratégia criativa. Todos os anúncios apresentam linguagens e elementos representativos do jornalismo, como por exemplo o uso da própria estratégia criativa, todos têm fotografias e registro de um fato, dando um aspecto mais verossímel à imagem. Para o observador (público-alvo) a imagem parece ter sido retirada de uma situação real.
Com base nas análises de Floch, ao estabelecer os quatro tipos de publicidade e as considerações feitas anteriormente, analisando as imagens tanto no plano da expressão quanto do conteúdo, podemos dizer que os anúncios apresentados configuram publicidades referenciais, isto é, as fotografias utilizam como estratégia discursiva um conjunto de procedimentos que visa a apresentar o discurso como verdadeiro. A estratégia discursiva é observada primeiro porque repousa sobre um discurso a) narrativo; b) figurativo; e c) descritivo; o que quer dizer na linguagem de Ogilvy: a) articulações antes/depois; b) informações concretas ou atrativos anedóticos; e c) nada ou pouco uso de adjetivos ou de slogans.
Em todos os casos, trata-se de fazer com que uma parte do discurso remeta a uma outra parte do discurso; essa outra parte – em que estará situado o produto – é, assim, construída como um referente interno. O texto remete à foto, a receita ao produto, tal situação dá demonstração às precedentes ou ainda o comentário ao que é mostrado no plano fixo. O referente se autoriza da “evidente” fidelidade da fotografia ou de um “bom senso”.
Podemos considerar que a publicidade se apropria de recursos estilísticos, planos figurativos, narrativos e plásticos do fotojornalismo como forma de atrair o receptor para a mensagem. A maneira como as imagens do corpus foram fotografadas faz com que elas obtenham um efeito muito real. Ao olhar as imagens num primeiro momento, acredita-se estar diante do registro de um fato real, extraordinário e jornalístico. A sensação gerada pelas fotografias é a de que o receptor participa da cena compartilhando experimentalmente o conteúdo ali apresentado. O receptor assume, assim como o leitor de um jornal, o compromisso de ser também uma testemunha do fato registrado pela fotografia.
O plano da expressão no corpus apresentado não é apenas um veículo de conteúdos, para falar ou mostrar um produto, um serviço ou uma empresa, ele está presente nessas imagens para suscitar nos receptores formas de compartilhamento de cognições, percepções, sensações em relação ao referente apresentado. Assim, a publicidade ao utilizar a fotografia como recurso do fazer publicitário, beneficia-se ao fazer crer nos atributos dos objetos para evocar efeitos de sentido. Para nós, o que interessa é que do ponto de vista icônico (visual e lingüístico) e do ponto de vista plástico a imagem tenha consonância de sentidos e sensações. As fotografias nos anúncios analisados surgem como uma forma de fazer crer.
1 Angela Cecília Confortin é graduada em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo – UNOCHAPECÓ, SC. Mestre em Comunicação e Linguagens – Universidade Tuiuti do Paraná, PR. Integrante do Grupo de Pesquisa, Usos e Interfaces da Imagem Fotográfica nas mídias-UTP, Linha de Pesquisa: Análise de Imagens Midiáticas. Professora da Associação Educacional Frei Nivaldo Liebel-Celer Faculdades e Centro de Ensino Superior de Chapecó-CESC. E-mail: angelaconfortin@yahoo.com.br
2 Michelle Sprandel é graduada em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda – UNOESC, SC. Pós-graduada em Gestão de Marketing – UNOESC, SC. Mestre em Comunicação e Linguagens – Universidade Tuiuti do Paraná, PR. e-mail: michellesprandel@gmail.com
3Fotografia extraída do livro A Publicidade é um cadáver que nos sorri, Olivieiro Toscani, p. 67.
4Fotografia extraída do livro A Publicidade é um cadáver que nos sorri, Olivieiro Toscani, p. 65.
5Imagem retirada do site http://www9.georgetown.edu/faculty/irvinem/visualarts/VisualCulture/Benetton-Colors-1992.jpg
Referências
ADLER,R.; FIRESTONE, C.M. 2002. A conquista da atenção: a publicidade e as novas formas de comunicação. São Paulo, Nobel, 95 p.
BAEZA, P. 2001. Por una funcón crítica de la fotografia de prensa. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, AS.
BERGER, J. 1999. Modos de ver. Rio de Janeiro, Rocco, 167 p.
FLOCH, J.-M. 1993. Semiótica, marketing y comunicación: bajo los signos, las estrategias. Barcelona, Paidós, 255 p.
LANDOWSKI, E. 2001. O olhar comprometido. Galáxia: revista transdisciplinar de comunicação, semiótica, cultura, 2(2):19-56.
LANDOWSKI, E. 2004. Flagrantes delitos e retratos. Galáxia: revista transdisciplinar de comunicação, semiótica, cultura, 8:31-70.
PIETROFORTE, A. V. 2004. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo, Contexto, 161 p.
SEMPRINI, A. 2006. A marca pós-moderna: poder e fragilidade na sociedade contemporânea. São Paulo, Estação das Letras, 335 p.
SODRÉ, M. 2006. Estratégias Sensíveis: afeto mídia e pólítica. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 230 p.
SOUZA, J.P. 2000. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó, Grifos, 255 p.
TOSCANI, O. 2003. A publicidade é um cadáver que nos sorri. 5ª ed., Rio de Janeiro, Ediouro, 187 p.
NOT MY TRIBE. Disponível em: notmytribe.com, acessado em: 28/05/2008.
GEORGETOWN. EDU. Disponível em: www9.georgetown.edu, acessado em: 28/05/2008.
Submetido: 08/06/2008, aceito: 17/11/2008