BOLAÑO, César Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz. 2007. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo, Paulus, 325 p.
O livro A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes traz uma análise do processo de implantação da Televisão Digital Terrestre (TDT) no Brasil, ainda em fase de constituição. A obra é de autoria de César Ricardo Siqueira Bolaño, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e vice-presidente da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC). Valério Cruz Brittos, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e vice-presidente da Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (Ulepicc-Federación).
A obra, que tem como eixo norteador a Economia Política da Comunicação, está dividida em duas partes. A primeira, composta dos capítulos 1 a 5, discute, principalmente, os movimentos das indústrias culturais brasileiras e sua relação com o capital, com ênfase na televisão, os processos de digitalização e regulamentação do sistema, esfera pública, padrões digitais e a implantação da nova tecnologia em diferentes países. Já a segunda (capítulos 6 a 8) apresenta a realidade dos mercados de televisão aberta, por assinatura e do rádio no País, discorrendo sobre a convergência dessas mídias para o sistema digital.
Os impactos da nova tecnologia nas emissoras de televisão, assim como as estratégias de mercado que essas deverão assumir são previstos pelos autores na medida em que a implantação da TDT representa um momento crucial tanto para as indústrias culturais brasileiras, quanto para a sociedade civil organizada. O propósito de Bolaño e Brittos, ao escolherem como objeto de análise a TV digital, é promover o debate em busca de políticas públicas eficientes que vão ao encontro das necessidades sociais e promovam a cidadania, já que a tecnologia abre novas possibilidades de democratização da comunicação. Entretanto, como os próprios autores constatam, o Estado não tem demonstrado iniciativas favoráveis à inclusão social nesse processo, uma vez que não vem dando sinais que contrariem os interesses privados. Ao que tudo indica, será mantido o mesmo modelo conhecido até hoje no Brasil, em que se sobressai os interesses dos grupos hegemônicos em detrimento dos interesses públicos, uma vez que a regulamentação não tem proporcionado abertura à opinião pública.
Apesar do Brasil já ter escolhido o padrão, o Integrated Services Digital Broadcasting (ISDB), há uma série de variáveis ainda a serem definidas apresentando-se como um desafio ao mercado televisual. As estratégias a serem utilizadas pelas operadoras e os processos de regulação, inseridos no modo de produção capitalista, e a disseminação e uso da tecnologia, são alguns pontos debatidos por Bolaño e Brittos.
As últimas décadas do século XX e início do século XXI trouxeram grandes conseqüências às indústrias culturais, as quais se tornaram essenciais às sociedades capitalistas para a divulgação de produtos e serviços. Assim, aumentaram as demandas publicitárias, acirrou-se a concorrência entre as empresas de comunicação que deram início a uma corrida de expansão em busca de novos mercados e, por sua vez, a oferta de produtos oferecidos ao consumidor cresceu significativamente. Mas, com a chegada da TV digital, cuja tendência é se tornar um modelo mundial, as operadoras vivenciam uma nova realidade, a que terão de se adaptar e definir estratégias competitivas para não perder espaço para a concorrência.
Os autores dedicam também um capítulo para discutir os impactos, ocorridos na esfera pública a partir do final do século XX, que afetam os agentes não hegemônicos. Alternativas como a comunicação popular através dos movimentos sociais enquanto tentativas de democratização da comunicação, apesar de encontrarem limitações devido o controle dos capitais, também se fazem presentes, ainda que de maneira limitada, neste movimento de concentração do capital. A implantação da TV digital e o debate gerado em torno deste processo abre brechas para a democratização da comunicação e a inclusão digital, porém, conforme Bolaño e Brittos, para que este sistema seja efetivamente inclusivo é necessário inverter a lógica atual, projetando a construção de novos modelos de organização da mídia.
O sistema digital oferece uma plataforma capaz de realizar a convergência de vários serviços, proporciona maior qualidade de som e imagem, transmite um maior número de canais e, ainda, possibilita a veiculação de até quatro programas ao mesmo tempo por determinada emissora (multiprogramação). No entanto, apresenta limitações em relação ao aspecto técnico, principalmente no que tange à interatividade, que necessita de um canal de retorno de sinal, e em relação à adesão de usuários diante do custo elevado dos aparelhos.
O crescimento da TV digital no mundo, sua implantação em diversos países, assim como os três principais padrões internacionais de TV digital são abordados no livro, que explicita suas origens, características e possibilidades. São eles: o japonês Integrated services digital broadcasting (ISDB), o qual foi adotado no Brasil; o europeu Digital vídeo broadcasting (DVB); e o Advanced television system committee (ATSC), desenvolvido nos Estados Unidos.
A obra apresenta ainda os movimentos de regulação do novo sistema, passando pelos governos Collor, FHC até o final do primeiro mandato de Lula. Expõe a trajetória de debates e discussões até a instituição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), com a assinatura, no mês de junho de 2006, do Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Os impactos no mercado de televisão aberta e por assinatura no Brasil devido à digitalização também são apresentados ao mesmo tempo em que é exposta a atual situação de ambos os sistemas. A disputa por segmentos de públicos intensificou-se nas empresas de comunicação a partir do final do século XX, na medida em que se multiplicam os agentes midiáticos, contribuindo para isto o surgimento dos sistemas pagos de televisão. A concorrência entre as emissoras acirra-se diante da multiplicidade de produtos e canais oferecidos aos consumidores, o que levou à pulverização dos públicos. Esse processo denominado por Bolaño e Brittos de Fase da Multiplicidade da Oferta vem causando desconcentração das audiências. Nesse sentido, uma alternativa encontrada pelos grupos hegemônicos foi a internacionalização de suas produções a exemplo da TV Globo Internacional (TVGi), ou a realização de co-produções com emissoras estrangeiras, formando parcerias com companhias transnacionais com o objetivo de buscar novos nichos de mercado e maximizar os lucros.
O sistema brasileiro de rádio merece enfoque no último capítulo do livro. Este veículo também impactado pela multiplicidade da oferta vivencia um novo período de desenvolvimento. Assim como outros meios de comunicação, o rádio, também sofre as conseqüências do processo de reestruturação capitalista em que há um desenvolvimento acelerado das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Cresce a competitividade no setor radiofônico, surgem novos canais de transmissão como a internet e, por conseguinte, muda-se inclusive o próprio conceito do rádio, agora com a disponibilidade de outras ferramentas de transmissão, aliando som, textos e até mesmo imagem em movimento na internet. Semelhante às demais indústrias culturais, as emissoras de rádio, diante do novo cenário que se apresenta, criam outras estratégias de negócios, explicitadas por Bolaño e Brittos ao mesmo tempo em que apresentam o panorama do rádio brasileiro na atualidade.
Para concluir, os autores retomam as principais questões debatidas em A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes, como a mudança do papel do Estado no capitalismo contemporâneo, o retrocesso das políticas públicas, as estratégias midiáticas, as inovações tecnológicas, as liberalizações, a globalização e o neoliberalismo, os processos de desregulamentação, o surgimento de novos agentes comunicacionais, entre outros. A discussão se dá em torno da TV digital em que Bolaño e Brittos questionam se essa será um mecanismo de exclusão social nos moldes do que ocorreu até os dias de hoje na televisão aberta no Brasil ou se permitirá alguns avanços no que se refere à democratização da comunicação. Os autores fazem um convite ao debate com o objetivo de buscar políticas de comunicação menos excludentes, atendendo os interesses da sociedade e promovendo a cidadania.
1Marcia Turchiello Andres: Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), pesquisadora do Grupo de Pesquisa Cepos (apoiado pela Ford Foundation).
E-mail: marciaturchiello@hotmail.com