Dossiê - Quadrinhos, Super-Heróis e Cultura Digital

2025-02-20

Desde Pierre Lévy (1999) que criou o termo “cibercultura” até Geert Lovink (2023) que prega a extinção da internet, todos eles concordam que o meio digital e as culturas que foram afetadas por eles mudaram intensamente nossas relações com os outros e com o mundo à nossa disposição. Isso também pode ser espalhado para a cultura pop, que envolve os quadrinhos e os super-heróis. Em seus dois livros sobre as mudanças digitais, Cultura da Convergência e Cultura da Conexão, Henry Jenkins (2022) aborda essas transformações com ênfase na cultura pop. É inegável como a cultura nerd se beneficiou com a digitalização e plataformização do mundo, transformando o que era uma cultura renegada, isolada e vista como um pária da sociedade para algo que poderia definir qualquer pessoa que se envolve com filmes, séries, videogames ou quadrinhos, por exemplo. Essa cultura da conexão entre ávidos interessados em cultura pop vem desde as convenções de quadrinhos, que se iniciaram nos anos 1960, mas as plataformas como chats no MIRC e ICQ, passando pelos Fóruns de Internet, Orkut, Facebook, Twitter, bem como os canais de YouTube e podcasts sobre o assunto, e atualmente no Instagram, Whatsapp e TikTok ajudaram a infundir e difundir essa cultura em um nível nunca antes pensado. Segundo Román Gubern (2019), os videogames desempenham um papel de destaque extraordinário na iconosfera contemporânea, e é nestes produtos culturais que está localizado o epicentro da cultura da imagem.

A relação entre a produção, forma e conteúdo de quadrinhos na internet foi estudada por Scott McCloud (2005) em seu livro Reinventando os Quadrinhos. Contudo, muitas teorias e análises abordadas neste livro podem ser consideradas obsoletas dado o rápido avanço tanto da cultura digital como das tecnologias que as envolvem. O autointitulado ciberpajé, Edgar Franco (2004) cunhou o termo HQtrônicas para nomear as histórias em quadrinho desenvolvidas especificamente para a internet, diferenciando-as de outros tipos de produção de quadrinhos. Por sua vez, em sua pesquisa, Márcia Veronezi (2010) depreendeu que o universo da cultura digital ligada aos quadrinhos ainda é mais ligada aos quadrinhos físicos do que aos digitais. Um exemplo mais fácil de se ilustrar dessa matriz  cultural digital ligada aos quadrinhos é o caso das estratégias de comercialização dos produtos, pois a internet, nos financiamentos coletivos (crowdfundings) como canal de venda antecipada inclui, além de um preço promocional, a entrega de um cartaz do personagem, uma arte original, etc.

Contudo, entendemos que essa conclusão não limita a expansão da produção de quadrinhos com recursos da internet, nem sua discussão a partir de plataformas digitais e da confluência de usos do smartphone na hora do lazer (de Luna, em Luiz -org.-, 2013, pp. 53-54), incluindo a leitura de quadrinhos e a produção e difusão de conteúdos audiovisuais através de plataformas digitais. Além disso, a internet abriu a possibilidade de se copiar de forma mais extensiva as histórias em quadrinhos originais, primeiro com os navegadores e softwares, e posteriormente com o uso das Inteligências Artificiais (A.I.s). Além disso, com o fim da vigência de alguns quadrinhos que completam quase cem anos de existência nos próximos anos, a forma como encaramos o uso dessas imagens originais deverá mudar, trazendo novas questões para o campo.

É do nosso interesse convidar reflexões sobre a influência de processos sociais de inovação relacionados nas esferas de produção, circulação e consumo de histórias em quadrinhos, dos quais os universos super-heróicos constituem o expoente central. Na cultura digital, estes personagens-produtos não deixam de iluminar determinadas áreas da realidade, promovendo não só a durabilidade dos mitos, mas também abrindo caminho a processos identitários e deixando a sua marca no imaginário técnico e ficcional das sociedades.

Estamos interessados, mas não somente, em artigos que trazem olhares sobre os seguintes temas:

  • Canais de streaming e adaptações de HQs para o audiovisual.
  • Produção e difusão de conteúdo sobre quadrinhos e super-heróis na mídia digital (podcasts, Youtube, etc. )
  • Cultura de fãs, fanfics, fanarts e estratégias de comercialização de produtos relacionados.
  • Financiamento coletivo de quadrinhos.
  • A exibição do corpo em contas de cosplayers no Instagram
  • Guerras culturais em grupos de Facebook e de WhatsApp
  • Produção e usos de conteúdos visuais e audiovisuais relacionados com quadrinhos e super-heróis, incluindo o as aplicações de IA.
  • Webcomics e produções transmídia envolvendo quadrinhos e super-heróis em âmbito digital.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Maiara Alvim de. O Instagram como suporte para publicação de quadrinhos: vantagens e desvantagens da publicação em uma rede social. 9ª Arte (São Paulo), [S. l.], p. e219286, 2024. DOI: 10.11606/2316-9877.Dossie.2023.e219286. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/nonaarte/article/view/219286

De Luna, Pedro. “HQs digitais e quadrinhos na internet”. Luiz, Lúcio (org.) Os quadrinhos na era digital. HQtrônicas, webcomics e cultura participativa. Nova Iguaçu: Marsupial Editora, 2013. pp. 51-61.

Franco, Edgar Silveira. HQtrônicas: do suporte de papel à rede Internet. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2004.

Gago, Sebastian; Berone, Lucas. Entrevista a Román Gubern. Los cómics y la cultura de la imagen. CuCo, Cuadernos De cómic, (13), 2019. pp. 145–163.

Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2022.

Jenkins, Henry; Green, Joshua; Ford, Sam. Cultura da conexão. São Paulo: Aleph, 2022.

Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

Lovink, Geert. Extinção da internet. São Paulo: Editora Funilaria, 2023.

McCloud, Scott. Reinventando os quadrinhos: como a imaginação e a tecnologia vêm revolucionando essa forma de arte. São Paulo: M. Books, 2005.

Veronezi, Márcia. Quadrinhos na internet: abordagens e perspectivas. Porto Alegre: Asterisco, 2010.